☥ EU SOU UM MONSTRO ☥

 

Querido diário...

Eu sou um monstro. Ou será que não ? Eis a questão.
Em 2021 eu trabalhei durante o período de experiência em um açougue perto da minha casa. O lugar é legal, limpo, e as carnes caras.

Fui instruída pela Erika, a antiga atendente, e pelo Vinícius, o chefe, que eu até hoje tenho aversão.

Havia dois açougueiros lá, que segundo a Erika não me respeitavam, mas eu não achava isso, pelo menos não até um deles ter me insultado tanto que eu tive que fazer uma pausa para chorar. Hoje em dia eles não estão mais lá.

Teve uma época também que colocaram outra atendente lá, porque eles viram que no horário de pico eu não conseguia fazer tudo sozinha, porque SURPRESA SURPRESA, eu ficava a maior parte do dia SOZINHA, sem ajuda ALGUMA, algo que me fez apreciar mais ainda a presença da Erika. Ela se chamava Jéssica e nós nos damos super bem, ou pelo menos foi o que achei na hora. Porém, ela recebeu bem menos treinamento do que eu, e consequentemente ela ficava me pedindo ajuda, e eu tinha que parar o que eu estava fazendo para ajudá-la, e a loja virava um caos. Tanto, que até teve uma vez em que uma das sacolas com carnes sumiu e ninguém sabe onde foi parar.
A pobre coitada não durou uma semana. Disseram que ela não era tão esforçada quanto eu, e que ela só me atrapalhava. Tentei manter contato após a saída dela, marcamos de ir tomar sorvete umas cinco vezes mas nunca fomos, foi aí que me dei conta que ela não queria mais nada a ver comigo.

Tinha também um entregador, que era legal, porém ele, segundo a Erika e o Vinicius, pegou mais de 3 mil reais emprestado e não pagou de volta até hoje. Ele foi atropelado uma vez, e eu tive que chamar uma ambulância para ele. Foi um dos momentos mais assustadores da minha vida. Hoje em dia ele não está mais lá. O Vinicius prefere muito mais fazer as entregas pelo carro dele. 

O problema, não é a loja. 
Eu posso muito bem cuidar da limpeza, compra dos produtos, organização das mercadorias, recebimento de pedidos pessoalmente, via whatsapp, ifood e do site da loja, lançamento de produtos e compras no sistema.
Tudo isso eram tarefas que eu já precisava fazer antes.
O meu problema, e eu já disse isso para eles antes, é VENDER. Eu NÃO SOU uma vendedora. Eu sou PÉSSIMA com persuasão.
Eu treinei, e treinei, e treinei. Eu estudei as técnicas, eu estudei as carnes, mas na hora que era para dar resultado, não dá.
Então, pelo meu bem, e pelo bem da loja, eu fui embora. 

Já estava contemplando sair antes, mas quando o Vinicius disse que eu precisava melhorar nas minhas vendas, MESMO QUANDO eu passava todo o meu tempo em casa praticando e praticando até cair no sono em frente ao computador, foi aí. AÍ que foi o último prego no caixão. Eles ficaram tristes, tentaram me convencer, mas minha decisão já estava tomada. Eles perguntaram se eu podia pelo menos ficar mais uma semana, e eu, sem pressa de sair, disse que sim.

A última semana na loja foi relativamente pacífica. 
No último dia nós tiramos fotos juntas, eu trouxe uma troca de roupa linda, e meu namorado veio me buscar para me levar para a casa dele.
Não posso nem começar a explicar o quanto a Erika me agradeceu, e o quanto ela disse que se eu precisasse de ajuda, ela estaria lá por mim, e aí que começou. Eu apenas concordei e retribuí as palavras de gratidão por educação.

Algum tempo atrás, a Erika me perguntou se eu poderia cobrir para ela, enquanto ela estava de férias no dia 15 de janeiro, e eu disse que iria olhar. Custei, custei, mas decidi ir. Ela não me disse mais nada, e quando fui contatar ela lá pro dia 10, ela me disse que como eu não dei uma resposta, o Vinicius cancelou as férias dela. 
Querendo evitar que ela me pedisse ajuda novamente, eu a avisei que estava procurando outros empregos, e que havia feito uma entrevista a pouco tempo atrás (oque era verdade). E que não acho prudente cobrir no açougue quando posso ser chamada a qualquer momento para uma nova vaga. Não poderia deixar o meu posto no açougue, e não poderia desperdiçar a chance de uma nova vaga.
Ela foi super compreensiva, como sempre, e me desejou boa sorte na minha busca.

Me senti um pouco mal, porém não quero voltar para o açougue.

O pior golpe foi a pouco tempo atrás, quando o Vinicius me chamou, pedindo ajuda. A Erika pegou o vírus e não poderia trabalhar por um tempo, então ele PRECISAVA de mim.
O que ele não sabia, porém, era que no dia em que ele me pediu ajuda, a minha mãe estava doente de cama. Ela estava muito mal e os sintomas pareciam ser do vírus, (mas logo descobrimos que foi alarme falso) então se eu fosse lá, e FOSSE o vírus, eu iria acabar passando para os clientes, cuja esmagadora maioria são IDOSOS. Não poderia correr esse risco. 
Até porque, no dia, a minha irmã saiu com os filhos dela e passou o dia inteiro fora, e meu pai teve que sair para trabalhar. Eu não poderia deixar a minha mãe sozinha mesmo se eu quisesse.
Expliquei para ele e ele compreendeu. Mas o conhecendo, tenho certeza que ficou furioso.

Será que sou um monstro por negar ajuda não apenas uma, mas duas vezes ?

Eu não quero voltar para o açougue. Eu preciso de outro emprego IMEDIATAMENTE. 
Dessa forma, não me sentirei mal por negar pela terceira vez.